Você faz falta
Às vezes, é violento demais só perdoar. Existem situações, circunstâncias, acontecimentos, que parecem pedir ao menos um pouco de resistência, um grito de raiva, uma humilhação. Nunca aprendi pela humilhação, mas todas as vezes que isso me aconteceu nunca me foi por um igual, mas sempre por meio de um abuso de poder hierárquico. E nós somos iguais, se as regras que você criou são justas. Tenho algumas coisas que gostaria de dizer, endereçadas a ninguém em específico, mas direcionadas à violência, direcionadas à masculinidade, ao masculinismo, à deslealdade, à falsa equivalência, ao ridículo universo dos homens.
Só jogamos esse jogo porque eu decidi respeitar as regras que você criou. De alguma forma, todos os seus sofrimentos são culpa dos outros. Você nunca tem agência, mesmo sendo homem, mesmo sendo hétero, mesmo sendo branco, mesmo sendo adulto, mesmo sendo perfeitamente saudável, mesmo tendo boa escolaridade, mesmo tendo independência financeira. De alguma forma, o culpado de sua escolha por violência, por desconsideração, por ser infeliz, sou eu ou outras bichas ou as mulheres ou quem quer que seja um alvo fácil para você.
Às vezes, sinto que você sequer me reconhece como pessoa, mesmo quando me permito ser vulnerável. Você me disse que conseguiu o que queria, pois eu também. Você se vê como moralmente superior, acredita que eu sou sujo, me vê como um mentiroso, se dá valor demais quando comigo para tentar não ser como eu. Nós não somos iguais, não é? Acho que é o que você gostaria de ouvir, que você não faria o que eu fiz, que não precisa se preocupar em deixar de lado todas essas idiotices que você tanto valoriza de ser aceito pelos seus pares ou prestígio de carreira ou qualquer outra coisa que não conseguiria se não fosse você.
Nossas conversas sempre foram dois monólogos simultâneos: quando eu falo, você não me escuta. Quando você diz, não tenho sequer a opção de concordar. E de que vai me adiantar, sinceramente? Se eu disser que me é incômodo suas mudanças repentinas, você ou qualquer outro vão tentar entender como me sinto e pelo menos me oferecer alguma forma de carinho? Conhecendo bem, vou ser tratado como exagerado, carente, emocionado, apegado, porque pedir o mínimo de apreço é sempre demais.
Mas sabe qual é, de longe, o meu maior incômodo?
É que suas vidas são sempre tão miseráveis.
Quero dar o benefício da dúvida, quero acreditar que as coisas podem ser diferentes. Conheço seus traumas, suas histórias, sua falta de desejo pela própria vida, sinto tudo que é reprimido, sinto a raiva e a tristeza. Parece que vocês sequer conhecem o que é o carinho, parecem se curvar de medo de qualquer forma de toque, até mesmo o sexual, senão não precisariam da embriaguez. Tenho dificuldade de sequer reconhecer sua violência pelo que ela é porque quero acreditar que é inconsciente, quero acreditar que não há crueldade no que faz contra mim, quero acreditar que é tudo que você conhece. Mas me sinto exausto. Você é desprezível, não preciso sequer te desejar qualquer mal porque sua existência já é um inferno.
Minha maior vingança é que consegui o que eu queria. Não preciso fazer nada contra você, por mais que eu o gostaria e muito, porque você é plenamente capaz de destruir sua própria vida sozinho. Por qualquer razão você pensa que eu quero mais, que eu preciso de mais, que eu vou roubar de você mais do que você tem a me oferecer quando, na verdade, eu já consegui o que queria. Reconhecer você pelo que é e descobrir o que de mim há em você.
Eu não faço falta. Você faz falta a si mesmo. E se engana porque não quer lidar com isso. Você passa por cima dos outros, desconsidera o que eles tem a dizer e, mesmo assim, diz por aí que sua vida não é nada como você gostaria que fosse.
Não escolhi fazer falta. Você quem espera algo de mim. Por que você espera algo de mim? Você sequer me conhece, nunca se deu ao trabalho de entender o que valorizo ou o que desprezo. Eu me importo, mas não o suficiente. Não o suficiente para curar sua sarna, não o suficiente para lutar por você. Você sequer luta por você mesmo.