Tríptico II
I
Francis Bacon em exposição. Quem diria, chegou a hora de encarar o vazio mais uma vez. O barulho estridente e incessante da reforma de um dos vãos mais famosos da capital paulista deixa o corpo todo eriçado, um alerta reforçado ao encarar as grotescas formas humanoides do artista. Me demoro olhando o borrão avermelhado e bege na tela, uma forte sensação de nostalgia e horror sobem das entranhas até a garganta. Mais uma vez, aqui.
Desvio o olhar, só por um instante. Você ainda está ali, esperando. Desejando por mais de mim. Começo a ficar impaciente, sinto que estou desperdiçando seu tempo. Não tem mais ninguém aqui, apenas nós dois. Não tenho para onde fixar o olhar, não tenho desculpas, não tenho a quem recorrer, todo ponto de fuga retorna a você. Eu não deveria me sentir assim, eu não deveria fazer isso, eu deveria ter aprendido a ser diferente, eu deveria ser um namorado melhor.
Eu tentei e não consegui. Não sou um quadro, para sempre estático, à disposição. Não sou o retrato na parede, a imagem no espelho, nem qualquer infinito que seja. Queria ser capaz de oferecer a segurança que você merece, a certeza de vida tranquila, uma chama que nunca se apaga, ser tinta que nunca oxida. Ninguém o conseguiria, mas, ainda assim, você merece alguém mais fácil de amar, alguém que veja o amor sem cinismo, alguém que não fuja ao seu toque. E você o vai encontrar, como os outros o encontraram.
É nessa hora, esperando por afeto, distante de todos, vendo você suplicar por alguma coisa, qualquer coisa, que o melhor que posso te oferecer são três palavras.
Eu quero terminar.
II
Seria essa dor inevitável? Poderia ter feito diferente? Me esforçado mais, me abdicado mais, concedido mais, só não ter nos colocado nessa situação desde o começo? Tentei evitar a tristeza o máximo que pude, parece que isso só o causou mais sofrimento.
Não quero que você tenha medo de mim, não quero sentir medo de mim mesmo por conta de você. Sei quando você evita me dizer o que te machuca, sei quando o incômodo se torna tão grande que você vai romper o silêncio entre a gente, sei quando você tem medo de demandar demais por pedir um pouco mais de afeto. Nessas horas, sinto que não importa o quanto eu o amo e o quanto tente o fazer bem, estou apenas te ferindo e estamos os dois vivendo com medo. O medo do término, o medo da dor, o medo da indiferença, o medo de ser abandonado, o medo de mim e o medo de você.
Eu posso ser o vilão em nossa história. Pode dizer para suas amigas que fui um escroto, que brinquei com seus sentimentos e que nunca levei nossa relação a sério. Que sempre fui frio, distante, que nunca me entreguei. Você deve estar certo, afinal. Você fez tudo certo. Eu quem não foi capaz de dar conta.
Essas pessoas vão te dizer todo e qualquer tipo de palavras de conforto. Minha consolação favorita é que o que é seu jamais vai escapar de você. Se for pra ser seu, em algum momento irá retornar. A questão é que nada sai de mim. Todos que passaram por mim alugam um espaço em meu espírito e por ali ficam. Criam vizinhanças, fazem as pazes, se visitam, compartilham memórias. Às vezes gritam, às vezes sussurram, mas jamais vão embora. Me lembro deles nas pequenas e grandes coisas: nas músicas, nos filmes, nas palavras, no andar, no toque, no distanciamento, nas noites em claro, na dor que vem depois. Tenho você por toda parte. E toda vez que me lembrar de você, espalhado pelo meu corpo, pela minha rotina, pelos meus amores, pelos meus fracassos, vou sofrer com a dor de ter traído sua confiança, de te fazer acreditar que é insuficiente, de não conseguir cuidar de você.
III
Quando o amor não é o suficiente, tudo que sobra é analisar onde tudo deu errado. São tantas contradições, tantas decisões difíceis, tanta hesitação. Estava tudo tão bem entre a gente, ou assim parecia. Conversávamos sobre nossos problemas e nos comprometíamos a tentar arranjar uma solução. Íamos fazer dar certo. Não sei quando comecei a fugir, não sei quando não quis te ver pela primeira vez, não sei quando me ocorreu pela primeira vez a ideia de terminar. Só não conseguia mais manter uma farsa, uma personagem, algo que eu não era.
Mesmo agora, talvez pra sempre, compartilhamos um mesmo segredo, uma mesma úlcera que coça e se esconde por baixo da pele. Sei como te machucar, tento não o fazer, mas o faço mesmo assim. Não quero apenas sua dor, quero a intimidade de saber que o conheço. Vivemos isso juntos, sua punição é minha punição e é nosso segredo.
Te devo desculpas que nunca vou pedir. Deve ser melhor assim, para que não pense que posso ser diferente. É hora de seguir em frente, amor. Há muito mais beleza e felicidade que sua vida irá te oferecer. Se puder, se lembre de mim com um pouco de carinho.