The Vengabus is Coming
Gostaria apenas de esclarecer que: eu sabia o que me esperava quando comprei meu ingresso, o nome da festa era Brat, eu já tinha ido em outras festas do gênero. Sei que o que vou pontuar é, a sua medida, uma enorme hipocrisia. Gosto da vida noturna, sou apaixonado por música, ouço várias das músicas que tocaram durante o evento. Mas, por uma série de razões desimportantes, não estava nas condições psicológicas de aproveitar a festa. Depois de algumas horas dançando e acompanhando amigos da pista de dança para o banheiro e do banheiro para o bar e do bar para o fumódromo e do fumódromo para a pista de dança, decidi me afastar de todos e me sentar. 2:30 da manhã. Ainda faltam mais de duas horas para ir para casa.
Não quero ser visto como a pessoa que está sozinha e melancólica numa balada, então evito olhar os outros nos olhos. Se eu não os vejo, sinto que eles também não podem me ver, evito pensar no que talvez pensam sobre mim. Fico em silêncio, mexo no celular, seguro meu chaveirinho do Pompompurin para me fazer companhia, olho para o telão ao fundo. Nenhuma música me interessa, nada me chama a atenção, só estou esperando tudo acabar. Depois das três da manhã, o set fica melhor, mais hits, transições melhores. É por esse horário que o som de uma buzina e uma música de palhaço me tiram do meu transe autocomplacente. We like to party. É o Vengabus que está chegando.
Pela primeira vez, durante toda aquela noite, senti que estar ali era sobre diversão. Uma diversão estúpida, ridícula, que não se leva a sério. A buzina do ônibus, o ritmo de uma música de circo, palhaçada completa. Imediatamente me lembrei do episódio da primeira temporada de Drag Race Uk Vs The World em que a Pangina Heals deu a vida em uma performance de lipsync ao som dessa música, ao ponto de encaixar Waacking em sua coreografia, para, no fim, eliminar a Jimbo, literalmente uma drag palhaça. Pós-ironia pura, humor garantido, transgressão na medida certa quando uma favorita para vencer decide retirar outra da jogada. Pela primeira vez, não pensei na ideia de ser brat ou de me preocupar com meu capital social lá dentro. Apesar de ser um desempregado sem dinheiro para pedir um Uber para casa durante a madrugada, sentado já a mais de uma hora e meia encarando o nada, senti vontade de tentar voltar ao clima descontraído e leve de festa que queria antes.
Essa é só uma das muitas festas que fui desde o fim da pandemia, desde que me mudei para capital. E elas são ótimas festas. Mas talvez esse seja meu problema com elas: talvez sejam boas demais, eficientes demais, esforçadas demais. Sinto uma tensão no ar, um senso de obrigação. Servir cunt deveria ser mais divertido do que isso, eu acho. Muito possivelmente, eu sou o problema, se elas funcionam para os outros. Talvez eu seja tímido demais, chato demais, metido demais, qualquer outro rótulo parecido a que já me vi submetido em diferentes momentos da minha vida. Mas a palavra que primeiro me vem a cabeça para descrever essas situações é cinismo. Tudo me parece cínico. A internet é cínica, as festas são cínicas, as conexões são cínicas, nada é autêntico, todas as trocas são propagandas, todas as fotos são publicidades, todas as músicas, todos os momentos, todos os corpos são apenas um veículo publicitário. Quando o DJ toca Girl, so confusing e um coro de vozes da pista de dança passa a cantar sobre como é difícil ser uma garota, e então sobre passar fome e ganhar peso novamente, vejo beleza e vejo horror. É lindo como a música aproxima as pessoas, mas sinto uma coisa perversa, uma sensação de que aquilo é só uma estratégia de marketing enlatada, encaixotada no coração de São Paulo.
Por isso, a música eurodance do Vengaboys quebra minha expectativa, faz sentir que estou novamente em um mundo que é real e me dá vontade de dançar. Me pergunto como é ser atropelado por um caminhão. A frase “The Vengabus is Coming” traz não só uma ideia de inevitabilidade, mas também de urgência. O som da buzina, uma buzina forte, barulhenta, representando um automóvel que poderia quebrar todos os meus ossos ao me atingir, dá início à música como uma tragédia anunciada. Ele está buzinando pra mim, eu estou em seu caminho. É o que sempre penso quando a escuto: me vejo sendo esmagado por um ônibus metafórico inevitável, prestes a me atingir, do qual não posso tentar desviar, porque ele já me acertou e sempre vai conseguir me atingir. A repetição contínua da batida de circo, sonoridade cíclica, móvel e lenta, me faz pensar no caráter levemente cômico de ser atropelado por algo tão maior que você, o balanço do corpo, o giro no ar, ao mesmo tempo que me faz pensar num predador pronto para dar o bote, preparado para o inevitável momento em que chegará em você, para um beatdrop final. We like to party, dizem as vozes, repetidamente, como a canção de um culto, um mantra a ser repetido. Ao dizerem we, eles me incluem. Eu também gosto de festejar, eu também quero que o Vengabus passe por cima de mim.
Me pego sorrindo e dançando de novo, uma experiência que gostaria que tivesse durado a noite toda.
Depois do que imagino ser pouco mais de um minuto, quando o remix da música finalmente chegou ao fim, voltamos ao que deve ter sido mais uma repetição de Von Dutch. Me sentei, novamente, para continuar esperando as 4:40 da manhã. Depois do metrô, ainda tinha um ônibus para pegar, que só deveria me deixar em casa perto das 6:00.