Narciso

Filipe Narciso
2 min readOct 20, 2023

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Ilustração Própria. Arte: Caravaggio, cerca de 1600. Narciso [Óleo sobre tela]. Galeria de Arte Antiga, Roma, Itália.

Sou os fungos morando em minhas paredes.

Sou uma coletânea de cicatrizes, machucados, úlceras e urticárias.

Sou a criança que, tentando descobrir o mundo, sempre se machuca.

Sou a garota final de um filme slasher.

Uma risada em um funeral, desejo de morte, pelos que se eriçam.

Sou a ideia que corrompe, que te devora vivo, os primeiros vermes que roerem sua carne.

Sou a princesa que não quer ser salva, mas que se isola em sua torre, esperando alguma coisa.

Sou sede de vingança, clamor por justiça.

Sou a dor de nascer, um choro de vida, o bebê arlequim.

Sou o monstro que aprendeu a linguagem dos humanos, os talheres da civilidade ocidental, o menino lobo.

Sou o primeiro a chegar e o último a ir, o último a chegar e o primeiro a ir.

O vulto no canto dos olhos, um retrato envelhecido, Saturno devorando seus filhos, o rapto da inocência.

Pupilo de Augusto dos Anjos, filho do carbono e do amoníaco, restos mortais da carne.

Sou o hieróglifo na parede, um símbolo sem significado, uma espiral infinita.

Sou fruto do conhecimento proibido que liberta, o fim de uma jornada, a morte de um mártir.

Sou o fim da tentativa de conciliação, nunca uma assimilação, sempre um assemblage.

Em um mundo dividido em dois tipos de pessoas, aquelas que sentiram a dor e aquelas que ainda vão sentir, eu estou esperando a minha hora.

Não criei nada, não crio nada e nunca criarei nada. Tudo que faço tem referência em algo ou alguém anterior a mim.

Li uma interpretação certa vez do mito de Narciso. Nunca fui capaz de encontrar sua fonte original. Nela, um oráculo fazia uma previsão ao jovem, um alerta: você viverá apenas até o dia em que se conhecer.

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