Gangrena
Eu era obcecado por você.
Eu me lembro de tudo. Sei quem são seus melhores amigos, sei o colégio em que você se formou, as festas que você vai, o que você gosta de fazer, o que te deixa com raiva. Lembro do que te afeta, lembro do que você acha engraçado, lembro das curvas do seu corpo. Lembro também de como você demonstra desinteresse, como nas vezes em que eu tentava fazer com que prestasse atenção em mim. Conheço suas vontades, no limite do que você compartilhou comigo ou com a internet. Conheço suas músicas favoritas, algumas delas estão na minha playlist. Eu sempre soube quem você é.
Como você não se lembra de mim? Como me conhece agora como se fosse a primeira vez que me vê? Eu conheço você há tanto tempo, eu sempre penso em você, em algum canto da minha mente. Você vive em mim, um teratoma, um crescimento desordenado, um amontoado de imagens, manifestação de algo que nunca iria me conhecer e nunca iria se importar. Uma mistura amarga, alcóolica, de descontentamento e desejo se misturava em frenesi por mim sempre que penso em você. Era intoxicante, humilhante. Mesmo se eu tentasse esquecer, eu ainda o reconheceria na rua, eu ainda saberia como te encontrar, eu ainda lembraria como ver você de novo, as imagens de você ainda iriam voltar.
Para você, tudo é novo. Sou uma pessoa nova, uma nova oportunidade, um novo momento. Tenho fingido não saber, não por você, nem por mim, nem para conquistar sua intimidade, mas para descobrir o que não sei. Descobrir como, porquê, o que você tem, de que você é feito. E não descubro nada. Você é muito mais humano do que eu. Mais real, mais palpável, mais sangue, mais carne, mais fluido, mais sinceridade. Eu sou apenas um observador. E me lembro de tudo.
Você se sente sozinho? Você nunca está sozinho.