Febre
Você vai contar para eles?
Era uma pergunta séria, mas de alguma forma não parecia ser. Por que eu não contaria? Tínhamos decidido que nada ia mudar, mas não deixava de ser uma decisão importante. Estava feliz com você do meu lado, amava o mundo que compartilhamos. Eu não contei.
Quão difícil poderia ser fazer essas concessões simples? O rapaz mais doce e carinhoso do mundo se dedicava a cuidar de mim quando eu ardia em febre. Fraco, com frio, chorava sem parar pensando em todas as pessoas que me salvaram da morte antes de você.
Se eu morrer, promete falar para todos eles que eu os amo muito?
Prometo.
Minha saúde debilitada demais para alguém com hábitos tão saudáveis. Meu cérebro ansioso constantemente pensa que estou me degenerando, que tenho algo que ainda não sei e que vai me causar uma morte súbita. Algum parasita, alguma doença autoimune, algo nunca antes identificado, paciente zero.
Eu me lembro dos devaneios que eu tinha quando adolescente. Da vontade que tinha de ter um amor por quem gritar que eu era apaixonado, uma pessoa que me desse orgulho de dizer que gostaria de dividir minha vida. Alguém por quem eu não teria medo do afeto. Um local para fugir de mim, deixar de ser um, tentar ser dois. Não consigo nem imaginar todas as coisas que sacrifiquei pra tentar fazer dar certo. Todos os malabarismos que fiz para fazer do meu amor coisa legítima, mesmo sendo por um homem. Agora, com você do meu lado, parece que deixei de fazer sacrifícios. Desisti de abrir mão das minhas coisas, decidi que é melhor me manter firme no que seja meu, cedendo às vezes, sendo egoísta em outras.
Mas você é tudo que eu algum dia sonhei. Minha família gosta de você. Meus amigos gostam de você. Romântico, dedicado, inteligente, presente, atencioso, aberto à diálogo, adaptável, compreensivo. Além de outras métricas de sucesso que não me importam, como ter um projeto de carreira e visão a longo prazo. O que significa amor pra você? Parece que, desde que nos conhecemos, não existe uma noção fixa. Eu venho e destruo todas as suas convicções, mesmo sem querer. Talvez você saiba até melhor do que eu que eu nunca quis mudar quem você é. Se quisesse ir embora, poderia. Você quem escolhe ficar, mesmo contrariado, mesmo sem certezas, mesmo com receio.
Por que eu esconderia minhas contradições? Das outras pessoas eu entendo, elas nunca entenderam meu modo de vida, minhas prioridades, meus gostos, meus interesses. Mas você? Mesmo quando não me entende, e nem eu me entendo, você confia em mim. Se mostrou tão disposto a tentar. Eu estou tentando, também.
Como se sente quando escrevo sobre outros? Percebi que meus afetos se estendem, se contorcem, se movem desesperadamente dentro de mim, chamando minha atenção, me atraindo para si, me fazendo perder o sono. Carrego comigo todas as histórias que já vivenciei, todo o carinho que já senti, toda a admiração que possuo. Nós dois sabemos que ninguém faria por mim as coisas que você já fez. Há você por toda parte no meu apartamento. Da bolsa de gel na geladeira às pelúcias que se amontoam na minha cama. Não sei se consigo te oferecer muito mais do que minhas palavras e minhas perspectivas pouco convencionais das coisas. Espero que sejam o suficiente para fazê-lo um pouco mais feliz.