Desabafos de um fim de tarde

Filipe Narciso
4 min readSep 9, 2023

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Ilustração Própria. Foto disponibilizada por FreeImages. Rua sem saída em Quebec, Canadá.

Existem frustrações que não cabem em você mesmo. Porém, muitas vezes, essas mesmas frustrações não cabem em conversas despreocupadas com pessoas que ama, não cabem em publicações vazias e embaraçosas em redes sociais, não valem o esforço de procurar no próximo uma experiência parecida. São, em si, a própria impotência de saber que, não importa o que seja feito, só resta a aceitação para superá-las.

Do conforto dos meus anos de ensino médio, que por si só não foram fáceis mas foram um grande desenvolvimento em comparação a anos anteriores, eu desejava a etapa seguinte. Sempre quis ir para uma faculdade, sempre pensei que combinasse com o ambiente universitário. Fazer pesquisas, participar de grandes debates, deixar de ser limitado pelo saber utilitarista acorrentado ao conceito de vestibular. Mas, no meu último ano, passei por grandes mudanças. Comecei a sentir medo, daquele tipo de temor que o avisa de que o perigo está por vir. Depois de todo aquele caminho tortuoso, e toda a solidão que esteve presente desde o começo, não queria conquistar espaços novamente. Existia o medo de não ser o suficiente, o medo de ser medíocre e toda aquela história de síndrome do impostor tão bem conhecidas. Mas não foi bem assim.

Nunca pensei que não passaria no vestibular. Inclusive, quando consegui a bolsa para o colégio onde cursei o ensino médio, eu queria mesmo era estudar no exterior. Sempre pensei que tivesse aptidão para isso, ainda acredito que tenho. Abri mão da ideia nos momentos finais do meu tempo de colégio. Decidi me dedicar aos processos de admissão nacionais. Tive medo de que, se tentasse equilibrar processos seletivos tão diferentes, acabasse derrubando os dois. Passei com excelência em território nacional, nem tentei o que era meu objetivo inicial. Mas, sendo sincero, se eu ficasse apenas no objetivo inicial eu estaria estudando astrofísica e estrelas.

Autoconfiança. Talvez seja essa a palavra. Adentrei com cautela o mundo novo, porque desconfio das pessoas, sei do que são capazes, sei do que eu sou capaz. Mas tinha esperanças e expectativas altíssimas: sempre quis estar em uma faculdade e era o que eu tinha me decidido. Senti que talvez conheceria pessoas parecidas. A verdade é que conheci pessoas medíocres, mas que provavelmente também pensam que eu sou medíocre. É como se todos se limitassem o tempo todo, se propusessem a ser o mínimo a todo momento, por razões que ainda me são um mistério. E é aqui que minha frustração tem cultivado raízes.

Eu deveria ir mais a fundo com o que acredito. Sei disso em um nível extremamente primordial, mas tenho evitado porque não sei se tenho a propriedade para isso. Esperava que alguém competente tomasse as rédeas. Não da minha vida, mas sim das estruturas em que ela se encontra inserida. No meu silêncio, algumas pessoas se prontificam a líderes, porém que dificilmente poderiam ser consideradas competentes.

Meu problema com a falta de comprometimento é o de que tudo perde significado e sentido. Não há e não haverá lógica se tudo que funciona não é realmente funcional. E me odeio pela minha omissão. Me odeio por esperar o resultado diferente. Não é uma questão pessoal, é só uma situação espelho sobre os meus medos de estar presente no mundo, seja como for. Comprando as brigas que me são caras e ignorando o que realmente não me importa.

Quando fui fazer a segunda fase do vestibular, me lembro de chorar no carro pensando que não queria que minha vida mudasse. Ela não era ótima, mas não queria continuar lutando. Ela poderia piorar, quem sabe. Mas eu passei e, logo depois, uma pandemia aconteceu. E tudo mudou: me assumi pro meu pai, me desentendi com minha irmã, me apaixonei errado algumas vezes até que, enfim, me apaixonei certo. Mudei muito a forma como me relaciono com os outros, mas ainda não sinto que tenho orgulho ou controle de meu, por assim dizer, poder individual.

Os parágrafos que você leu até aqui foram escritos dois anos atrás. Se pudesse colocar uma errata no parágrafo anterior, só diria que eu havia me apaixonado errado mais uma vez, só não tinha tido essa realização ainda. E minha vida piorou, sim, naquela época. Todos os planos a longo prazo que tinha imaginado foram, em poucos meses, tomados de mim a força. Uma forte sensação de que tudo tinha se despedaçado preencheu meu peito, como nunca tinha sentido. Não sou uma pessoa acostumada a falhar, sempre entrei no jogo para vencer, então ser derrotado daquele jeito mudou quem eu era.

Apesar de toda a arrogância, tenho orgulho do carinha. Minha proposta para isso aqui sempre foi escrever sem me perguntar se estava sendo uma pessoa gostável ou não. Eu só queria que fosse sincero e acho que nisso fui bem sucedido.

Poderia me estender infinitamente no que comecei anos atrás, ramificando em linhas e mais linhas o que hoje sinto sobre essa inquietude que eu possuía naquela época e que ainda possuo. Vou me contentar em dizer apenas uma frase.

Esse desconforto não só me aproximou de mim mesmo, mas também me encheu de uma vontade furiosa e visceral de estar vivo.

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