Aquele que tem medo de morrer, que não nasça

Filipe Narciso
3 min readMar 1, 2023

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Às vezes, fevereiro é um mês curto demais. Alguns dias fazem uma enorme diferença, em especial para um prazo. Completei 21 anos há exatos 20 dias atrás. Se o mês tivesse um único dia a mais que fosse, falar isso seria mais esteticamente prazeroso, assim como escrever essa newsletter também seria mais fácil. Porém, ano bissexto somente no próximo ano e, no último dia desse mês no ano que vem, poderei dizer que fiz 22 anos 21 dias atrás.

Poderia também ter nascido 30 minutos mais tarde. Meu mapa astral seria um pouco diferente, mas num geral tudo continuaria no seu mesmo lugar, o que não deixaria de ser caótico, mas já seria bom o suficiente.

Não foi o que aconteceu. Todos os eventos me trouxeram até aqui, levemente incomodado com a quase coincidência dos meus 21 há 20 dias atrás e com um projeto pessoal atrasado para uma deadline que eu, meu próprio chefe, propus para mim mesmo.

Talvez eu tenha sido um bebê diligente. No dia em que nasci, eu tenha me passado a missão de nascer no dia 8 de fevereiro a todo custo e eu lutei contra todas as chances para vir ao mundo nos últimos minutos antes da meia noite. Ou então, como sou fruto de uma cesariana, essa decisão já tenha sido tomada antes de mim e minha única obrigação foi chorar.

Pelo menos tenho chorado bastante desde então. Se penso muito que vou inevitavelmente morrer um dia e minha mente nunca mais percorrerá esses caminhos, me desespero. Recebi uma mensagem essa manhã que dizia que desespero é um sentimento que se sente quando você percebe não poder mais ter algo que nunca quis de verdade. Não escolhi vir ao mundo, mas já estou aqui. O que posso tentar fazer, por agora, é eternizar os longos caminhos percorridos pela minha mente enquanto ela pulsa.

Primeiro artigo que recomendo para a leitura esse mês é The New York Times’ trans coverage is under fire. The paper needs to listen da jornalista freelancer Arwa Mahdawi. Tratando com uma linguagem clara e direta a forma predatória e sensacionalista que o jornal The New York Times tem feito cobertura da condição de pessoas trans recentemente, em especial jovens trans, Mahdawi comenta sobre como jornalismo sempre é, em alguma medida, uma defesa de uma visão de mundo. Qualquer mídia que afirma ter comprometimento apenas com “fatos”, consequentemente, está sendo esquiva e mal intencionada.

Por alguma razão, um tema que esteve por todo o lado para mim esse mês foi o movimento #MeToo. Deve ser porque desde a primeira semana fui bastante verbal sobre meu enorme desprazer no fato de que o ator Brad Pitt ainda possui uma plataforma praticamente inabalada, sendo inclusive um grande nome no filme Babilônia (2022). Por essa razão, acabei lendo She Said: why it’s too soon for a #MeToo movie de Haaniyah Angus, escritora e jornalista independente. Angus recapitula todos os movimentos de Hollywood após a mobilização contra o abuso sexual na indústria cinematográfica estadunidense e todas as suas derrotas, com diversos diretores e atores sendo isentos de responsabilidade apesar de todas as denúncias e provas contra seus históricos abusivos.

Para fechar a edição, recomendo a matéria Internet de Elon Musk é vendida a garimpeiros na terra Yanomami por compradores de ouro ilegal escrita por Murilo Pajolla. As informações presentes nessa reportagem suscitaram uma dúvida em mim sobre o uso ético da tecnologia e os impactos da conectividade global para comunidades tradicionais, tendo em vista que o uso da internet foi responsável pelo aumento da “produtividade” da exploração do território Yanomami.

Esse texto é a sexta edição da minha Newsletter “Palavras de dissidente”, pela qual você pode assinar através do link: https://tinyletter.com/FilipeNarciso

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