19 enfim
Acho que parei com festas de aniversário aos dez anos. Nunca tive muitos amigos, então meus aniversários eram mais uma desculpa para juntar toda a família e alguns conhecidos dos meus pais (que também nunca tiveram muitos amigos). Quando fiz em torno de doze anos, apaguei todas as minhas redes sociais. Não me sentia confortável com elas, não me sentia mais quem era antes e não tinha apreço pelas pessoas que tinha ali. Então, a maioria das pessoas passava por mim no dia oito de fevereiro sem saber de que se tratava do meu aniversário.
Oito de fevereiro é, talvez, um dos dias mais banais da história do calendário gregoriano. Sempre o trigésimo nono dia do ano (até mesmo em anos bissextos), é marcado internacionalmente pela queda de um meteorito no México e um golpe de Estado no Iraque. Em relação a datas comemorativas, é o dia de Santa Josefina, sudanesa reconhecida como a primeira santa africana. E os acontecimentos terminam por aí. 2021 anos de história do dia oito de fevereiro. Nada contra Josefina ou uma diminuição do possível impacto que o golpe de Estado possuiu para o povo iraquiano, mas para dois milênios isso não é lá muita coisa.
Era uma sexta-feira de carnaval. Não que me lembre de nascer, mas me recordo das histórias que me contaram. Um dia quente de verão, como todos os meus aniversários viriam a ser. Expulso do conforto inconsciente do útero materno para o calor incômodo de fevereiro, eu chorei. E chorava com uma frequência impressionante, mesmo para um bebê. E dormia com uma não frequência igualmente surpreendente.
Não mudou muito desde então. Ainda choro demais e durmo de menos. Pelo que sei, quando pequeno, eu era uma criança sociável, sorridente, espirituosa. Tenho uma foto em especial de que gosto muito. Estou vestindo uma camiseta amarela de mangas longas com a gola azul, com um sorriso aberto mostrando todos os meus dentinhos para a câmera. Eu brilhava. Mas, até onde minha consciência é capaz de ir, algo em torno dos meus quatro anos, só me recordo de ser contido.
Sobrou tão pouco da pessoa que nasceu. Nesse falso autoesclarecimento de ser uma criança adulta, senti a vida se esticar bem devagar, segundo por segundo, até eu me tornar um adulto ingênuo. Repleto de uma imaturidade que não concerne à disciplina ou à independência, mas sim a ser capaz de descobrir o véu opaco que cobre minhas emoções.
Devem ser possíveis formas menos dolorosas de existir, só acho que elas nunca me foram uma escolha. Aprendi desde muito cedo a ignorar minhas vontades e me acostumar a uma espécie de fervor interno constante que me mantém em funcionamento e me desgasta. Dividi minha cabeça em duas partes: uma para meu mundo interior e outra para observar, aprender e planejar a pessoa que precisava ser para os outros.
Parei com sorrisos abertos ainda criança para esconder como meus dentes eram tortos. Em algum momento, passei a chamar meus pais pelos seus nomes próprios. Na mesma época, meu vocabulário ficou floreado demais, complexo demais. Com o tempo eu deixei de me importar com o que é simples, dificultei tudo que eu podia para mim mesmo e para quem me amava. Inquieto, esperava que alguém fosse me dizer o que fazer. Demorei a aprender que a única palavra que poderia realmente me fazer diferença era a minha.
Mas essa conclusão também não existe sem a ressalva de me sentir constantemente ameaçado por um silêncio infinito. Quando não consigo me expressar, sinto que não existo. Preenchido por uma força de vontade visceral, maligna quase, decidi nunca mais me colocar naquele lugar, nesse espaço voyeurístico de me abster de viver minha própria vida. Ou então existir apenas da cabeça para dentro.
Culturalmente, os dezoito marcam o início da vida adulta. Mas, um aniversário de dezoito anos nada mais é do que uma primeira impressão. A sensação de ser adulto piora aos dezenove. Não posso mais afirmar que acabei de chegar aqui, meus números já são outros. Se todos os desafios e responsabilidades de ser um indivíduo teoricamente finalizado estiverem preparados para me atacar de uma única vez, ao menos reaprendi a sorrir como a criança que um dia vi naquela foto e não reconheci a primeira vista.